Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
2421) “The Diamond Age” (8.12.2010)
Li apenas dois livros de Neal Stephenson, e é como se tivesse lido vinte. Faz tempo não vejo um autor capaz de tal densidade informacional por página. Nevasca (“Snow Crash”), publicado pela editora paulista Aleph, com 470 páginas, tem mais peso específico do que a “Trilogia da Fundação” de Asimov. E agora acabei de ler este outro, que em 499 páginas é capaz de equilibrar uma balança que tenha no prato oposto toda a obra de Charles Dickens. A comparação não é despropositada, porque Dickens é uma das grandes inspirações de Stephenson para este romance vitoriano passado no futuro. Um dos prazeres proporcionados pela FC é essa possibilidade de decolar em voos históricos e sociológicos de longo alcance. Os escritores realistas acham que a FC é minúscula porque estão caminhando a pé e dela só veem o risco branco no céu azul.
A época da história é mais ou menos o ano 2100, quando a humanidade controla a nanotecnologia a ponto de todo mundo ter em casa, assim como tem hoje um microondas, um “compilador de matéria”. Basta digitar as coordenadas e ele produz dentro de alguns minutos uma calça, um par de sapatos, uma cadeira... Há limitações tecnológicas que impedem este aspecto de virar uma “varinha de condão”. A parte principal da história ocorre na região que hoje é Shangai, então habitada por uma sociedade neo-vitoriana de lordes e damas sofisticadíssimos a ponto de não recorrerem aos “compiladores”: roupas, móveis, etc., são todos feitos à mão, coisas que só pessoas riquíssimas podem encomendar.
Um Lorde lamenta que a nova geração esteja ficando muito acomodada e encomenda, para a futura Rainha, a criação de um e-book que não apenas contenha toda a formação cultural necessária a uma menina pré-adolescente, mas também estimule nela um temperamento rebelde, contestador, quase subversivo. Essa tarefa cai para J. P. Hackworth, que produz um Super-Livro, uma mistura de e-book e console-de-games em que a garota lerá histórias, aprenderá qualquer técnica (desde artes marciais até idiomas estrangeiros) e ao longo dos anos irá formando seu caráter através das etapas sucessivas das aventuras de “Princesa Nell”, um gigantesco game educativo, em que contracena (falando) com atores contratados para isto.
A grande reviravolta, que ocorre a cerca de 1/3 do livro, é que Hackworth tira uma cópia clandestina deste Super-Livro, e ela vai parar nas mãos de uma menina pobre, que passa a ser educada por ele ao mesmo tempo que a Princesa. Não, leitor, não diga que já viu como vai terminar. Isto é só a ponta deste iceberg barroco-cinemascope (como dizia Brian Aldiss), que vai em muitas direções (todas surpreendentes e plausíveis) ao mesmo tempo. O futuro descrito por Stephenson é estonteante em sua riqueza, diversidade e coerência de detalhes. As aventuras são divertidas, e existe aqui um pouco mais de maturidade do que em Nevasca, outro excelente livro mas que às vezes parece feito apenas para garotos que jogam joguinhos.