Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
2409) “O Grande Gatsby” (24.11.2010)
Não lembro muita coisa deste livro de Scott Fitzgerald, que li numa tradução da Civilização Brasileira quando tinha meus 18 anos. Gostei, mas o que acabou me ficando na memória foi a luxuosa adaptação dirigida por Jack Clayton em 1973. Um filme que saiu na capa da “Time” mas foi depois bombardeado pela crítica. Não o acho um mau filme, mas David Thomson (um crítico sempre capaz de descrições devastadoras) o considera “ um filme desastroso, feito com um cuidado vulgar e equivocado”. De fato, o filme parece em muitos momentos uma daquelas festas de casamento de milionários, em que vigoram duas leis: não há limite de gastos, e nada pode dar errado. Como se sabe, são leis incompatíveis.
Sempre imaginei que os “roaring twenties” fossem algo mais animado do que o cinema costuma mostrar, mas isto talvez se deva ao deslumbre de minhas fantasias de nordestino. O “Gatsby” de Clayton é limpinho demais, cenográfico demais, parece que antes do diretor gritar “Ação!” alguém passava um aspirador de pó no cenário e no elenco inteiro. Para efeito de contraste, a oficina de lanternagem de Wilson, cuja esposa o trai com Jay Buchanan, é uma ilha da futura Grande Depressão que escapuliu por uma fenda do espaço-tempo e desabou à beira da estrada. A vitória da magia do cinema é que dois climas cenográficos tão artificiais pareçam verdadeiros apenas quando justapostos.
Gatsby (Robert Redford) é, como o Cidadão Kane de Wells, o milionário que tem tudo, menos o que realmente queria. No caso dele, o amor de Daisy (Mia Farrow), uma melindrosa encantadoramente fútil, casada com um jogador de polo preocupado com a escalada da miscigenação racial (Bruce Dern, em mais um papel de marido truculento traído pela esposa). Daisy acaba sendo o grande personagem do filme, porque Mia Farrow, conscientemente ou não, a transforma numa personagem patética, aparentemente incapaz de inspirar uma paixão tão devastadora em quem quer que fosse. De certa forma, é ela quem encarna o espírito de sua época, um espírito de riqueza desperdiçada, de festas permanentes e sem alegria, de frivolidade inconsequente.
Os ricos de Fitzgerald em 1920 não são diferentes dos ricos de Fellini “A Doce Vida”) ou Antonioni (“A Noite”) em 1960. Gatsby dá gigantescas festas boca-livre como quem espalha mel para atrair nuvens de moscas. Tem a esperança de atrair a mulher amada – porque ele sabe que cedo ou tarde ela aparecerá. Daisy é fragílima e onipotente; aquele tipo de mulher a quem os homens chamavam de “cabecinha de vento”, qualidade que, por uma razão misteriosa, as torna mais irresistíveis do que uma mulher com o juízo no lugar. Gatsby e Buchanan a disputam às cegas; nenhum dos dois sente firmeza nos sentimentos dela, talvez porque percebam que ela mesma não tem a menor ideia do que está sentindo agora e do que pode vir a sentir daqui a cinco minutos. É um romance de mal-entendidos, e o crime que o encerra é o mal-entendido mais patético de todos.