Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sábado, 23 de outubro de 2010
2381) A estética do Por Essa Eu Não Esperava (23.10.2010)
(www.killmydaynow.com)
O folhetim é o reino da surpresa. Um autor hábil sabe manipular os dois tipos: a surpresa para o leitor, e a surpresa para o personagem. Na primeira, o leitor está acompanhando a história, tranquilo, cheio de confiança, quando de repente algo acontece, um fato extraordinário, uma revelação inesperada, e é como se o chão se abrisse por baixo dos seus pés. O leitor fica boquiaberto. A revelação que foi feita altera tudo que ele vinha pensando sobre um aspecto qualquer da história. Muitos leitores são forçados a pousar o livro enquanto reorganizam os pensamentos. Quando é na novela da TV, muita gente espera o intervalo comercial para pegar o celular e ligar para uma amiga: “Você viu o que eu acabei de ver?!”.
As revistas de TV acabaram com esse carrossel de emoções. Hoje, grande parte das pessoas já sabe o que vai acontecer no capítulo daquela noite, e liga a televisão apenas para curtir os detalhes e saborear o já sabido. Isto está sabotando um dos prazeres principais do folhetim, o prazer de ser surpreendido. Mas por outro lado as redes estão cultivando um outro prazer, aquilo que poderíamos chamar a “prelibação”da surpresa. É o segundo tipo de surpresa: quando ela ocorre para o personagem, não para o público. O exemplo clássico disto é o da comédia. Se mostramos um personagem correndo na rua e de repente ele escorrega numa casca de banana e cai, temos uma explosão repentina de riso. Mas, ao invés dessa explosão repentina, temos um riso mais contínuo e mais cumulativo se mostramos o personagem correndo, a casca no chão, o personagem avançando, a casca mais próxima, até o escorregão e a queda. O fato de saber o que vai acontecer leva o espectador a rir por antecipação, sem que isto o impeça de rir de novo quando a queda de fato acontece.
Isto vem ao encontro da famosa teoria do suspense de Hitchcock. Ele dizia que o suspense nasce da onisciência do espectador: ele sabe algo que o personagem não sabe. Se dois homens conversam num restaurante e vimos alguém, antes da chegada deles, colocar embaixo da mesa uma bomba relógio, isto provoca o suspense: a bomba vai explodir? Os homens, sem saber de nada, conseguirão ir embora a tempo? Suspeitarão da bomba e tentarão desarmá-la? A onisciência do espectador o faz considerar várias soluções, ficar hesitando entre diversos desfechos possíveis para a cena. Ou seja, é uma cena com resultado emocional muito mais rico e prolongado do que a mera surpresa repentina.
O folhetim tanto pode nos dar a surpresa brusca quanto a surpresa solidamente construída diante de nós, visando o personagem. Somos capazes de acompanhar as maquinações tenebrosas do vilão, a vidinha sossegada e desprevenida da futura vítima, a atividade febril do herói que tenta evitar o pior... Sabemos de tudo, antevemos tudo. Mas quando o personagem se surpreende, quando cai sobre ele o terrível raio da fatalidade, a surpresa é também um pouco nossa.