Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
2379) A Presidência segundo William Tenn (21.10.2010)
(o livro onde o conto aparece)
Comentei aqui o conto de Isaac Asimov, “Democracia Eletrônica” (1955) em que o processo eleitoral no futuro consistirá em encontrar um eleitor perfeitamente mediano para escolher, sozinho, o melhor presidente para os EUA. É possível que Asimov tenha se inspirado no conto “Null-P”, de William Tenn, publicado em 1950 na revista Worlds Beyond. Tenn foi um dos melhores satiristas da FC dessa época, principalmente através das revistas Galaxy e The Magazine of Fantasy and Science Fiction, que trouxeram uma abordagem mais literária e menos tecnológica aos temas da FC.
O conto narra como, após a II Guerra Atômica, o mundo está feito em pedaços e os EUA tentam se reorganizar politicamente. Tanto a Costa Leste quanto a Costa Oeste desapareceram, e “uma vez que tudo que restava do país era o Meio Oeste, o Partido Democrata não existia mais”. A insegurança é total; e então um hospital descobre, durante exames de rotina, um indivíduo estatisticamente normal, chamado George Abnego: “Por uma combinação de circunstâncias não mais notável do que a que produz um ‘royal straight flush’ no pôquer, o físico de Abnego, sua psique e outros atributos variados haviam produzido essa criatura lendária: alguém estatisticamente mediano. (...) Ele tinha casado na idade exata, no ano, mês e dia, em que segundo os estatísticos um americano médio casava; escolhera uma mulher com uma diferença de idade exatamente igual à média estatística; sua renda declarada era a exata renda média de um americano naquele ano”. E assim por diante.
Abnego é eleito presidente dos EUA. A explicação filosófica é que “o homem do século 20 escapara das estreitas fórmulas filosóficas gregas, o bastante para ser capaz de imaginar uma lógica não-aristotélica e uma geometria não-euclidiana; mas até então não tivera a temeridade intelectual de criar uma política não-platônica”. Platão definira a política como o governo dos melhores, e durante milênios a única divergência era sobre quais seriam os critérios para definir essa “melhoridade” e quais os métodos de escolha. Ninguém questionara o princípio básico, até o partido lançador de Abnego propor o conceito do “não-melhor”, da “não-elite”, do governo do médio. Tenn sugere que indícios atuais deste processo são as campanhas que insistem o tempo inteiro para que os candidatos afirmem ser iguais a todo mundo, tomem cafezinho, beijem bebês, etc.
Abnego reelege-se sem parar. Segue-se um período de imensa calma política, em virtude da sua incapacidade de tomar decisões. Ele escolhe ministérios igualmente medianos e inexpressivos. A corrida armamentista desaparece junto com as inovações tecnológicas. Quando uma fonte de energia se esgota, eles regridem à solução anterior. “Os americanos”, diz Tenn, “sempre conhecidos por sua loucura, tinham finalmente se especializado em cretinismo”. Por fim ele se torna Presidente da Terra. Milênios depois, são os cães que estão governando o planeta.