sábado, 9 de outubro de 2010

2369) O gorila invisível (9.10.2010)




Christopher Chabris e Daniel Simons são os autores do livro The Invisible Gorilla, em que relatam e comentam uma experiência que fizeram. 

Dois grupos de voluntários recebem um vídeo de cerca de um minuto, mostrando dois times de basquete (um time vestido de branco e o outro de preto) que fazem um “esquente” na quadra, passando a bola uns para os outros. O primeiro grupo simplesmente assiste o vídeo. O segundo grupo recebe a instrução de contar o número de vezes que a bola é passada pelo ar ou repicando no chão. 

A certa altura do vídeo, uma pessoa vestida de gorila entra na quadra, para, dá murros no peito e sai pelo outro lado. Todos os voluntários do primeiro grupo viram o gorila. Os do segundo grupo, que tinham a tarefa de contar os passes, não o viram, mesmo estando com os olhos pregados na tela no momento em que ele aparecia. 

A conclusão inicial dos pesquisadores é que a concentração na tarefa (e a obrigação de ficar contando mentalmente) drena a maior parte da atividade mental dos voluntários. Quando exibiram novamente o vídeo e eles viram o gorila, deram um pulo de susto. 

Isto parece ter algo a ver com uma coisa que já me disseram: se você pedir algo a uma pessoa que está falando ao telefone, ela lhe obedece sem prestar atenção. Garotos esperam o telefone tocar e o pai atender para, alguns instantes depois se aproximar e pedir: “Pai, me dá dez reais”. O pai, dialogando através do fio, puxa a carteira do bolso, dá o dinheiro e continua conversando. É como se a parte principal da nossa cabeça estivesse totalmente concentrada numa tarefa e deixasse as demais no piloto automático. 

Também me vem à memória uma espécie de enigma ou “pegadinha”. Você avisa o interlocutor que vai propor um problema e diz algo como: “Um trem sai da estação de origem com 30 pessoas. Na próxima estação, descem 11 e sobem 23. Na outra, descem 20 e sobem 40. Na outra, descem 35 e sobem 14. Na outra, descem 18 e sobem 16...” E assim por diante. No final, pergunta: “Em quantas estações o trem parou?” 

Note-se que em momento algum foi dito à “vítima” que iríamos perguntar com quantos passageiros o trem chegou na estação final; mas essa sugestão foi induzida pela própria mecânica da narrativa. Alertada (falsamente) pelo entra-e-sai de passageiros, a vítima começa a fazer contas rapidamente, e esquece de observar quantas paradas fez o trem. 

Este último truque é o que eu chamo “The Agatha Christie Effect”. Como sabem os leitores da Dama do Crime, ela é especialista em distrair a atenção do leitor, principalmente quando, por uma questão de “fair play”, está lhe dando informações essenciais, que mais tarde serão usadas por Hercule Poirot ou Miss Marple para deduzir quem foi o criminoso. O trem está indo de estação em estação diante dos nossos olhos, mas, distraídos na contagem dos passageiros, esquecemos de reparar quantas vezes ele parou.