domingo, 15 de agosto de 2010

2321) A estética do Algo Me Diz (15.8.2010)




(ilustração: Istvan Orosz)

O folhetim não é apenas o território predileto da coincidência: é também o terreno mais fértil para a premonição. 

Premonição é aquela certeza intuitiva e inexplicável que às vezes nos assalta, sem motivo aparente, mas com uma pressão que não pode ser ignorada. Às vezes é uma ansiedade crescente que vai se acumulando ao longo de dias e semanas; outras, é como um raio que cai de repente ou uma mão que nos agarra pela garganta.

“Algo me diz que esse porteiro não merece confiança”, murmura um personagem para a esposa ao subir no elevador. 

Outro, às voltas com os milhares de páginas do inventário de um espólio, tem tempo de comentar: “Algo me diz que essa procuração assinada em 1948 ainda vai nos causar problemas”. 

Uma mãe, vendo o filho apaixonadíssimo por uma mocinha linda e atenciosa, murmura por cima dos óculos: “Alguma coisa me diz que essa garota não é flor que se cheire”. 

 Por que dizem isso? Dizem porque estão ouvindo a voz de Algo, mas não sabem exatamente o quê, e não conseguem rastrear o por quê. O “algo” que está tentando lhes passar uma mensagem é o Inconsciente. O cérebro humano tem a capacidade de processar informações em paralelo, num setor secundário, enquanto o setor primário está se relacionando com outros indivíduos, conversando, falando, ouvindo, cuidando dos fatos exteriores da vida. 

Mas lá atrás alguns processos estão comparando informações, reexaminando detalhes, detectando pequenas discrepâncias. E mandando recado para a parte dianteira da mente: “Ei, ei, tem alguma coisa errada”.

O folhetinista hábil planta essas premonições ao longo da narrativa para preparar alguma situação, seja confirmando as desconfianças, seja desmentindo-as – porque, sim, o nosso Inconsciente também se engana, também comete erros de juízo e de interpretação. 

Mas a inquietação de um personagem, desde que formulada sem muito peso na mão, pode servir para criar uma tênue linha de suspense, a possibilidade sempre latente de um fato inesperado, de uma reviravolta que quando sucede nos pega em parte de surpresa e em parte nos faz confirmar, com uma pequena sensação de triunfo: “Arrá! Eu bem que desconfiei”.

No momento culminante do filme ou no derradeiro capítulo da novela, quando tudo parece perdido, um personagem secundário aparece com a solução providencial e redentora. Passado o susto, as quase vítimas exclamam: “Mas Dona Fulana! O que foi que lhe deu, para a sra. se lembrar de tomar essa providência?” E ela responde: “Alguma coisa me dizia que isso ia acabar acontecendo”. 

Um personagem de romance folhetim ou de telenovela está sempre com o ouvido atento para esse Algo, para essa Alguma Coisa que volta e meia bate à janela de sua alma para lhe passar um recado. Feliz do personagem que dá ouvidos a esses recados, porque quem os plantou ali foi o Arquiteto dos Personagens, o Artífice Onipotente dos seus destinos, cujo identidade, por modéstia, é melhor calarmos.