Um dos meus sonhos recorrentes na infância era o de descer a uma caverna subterrânea e descobrir lá embaixo um salão circular que se abria para infinitas galerias. Cada uma delas desembocava, mais cedo ou mais tarde, num salão mais largo, semelhante na anterior, em cujas paredes eu via aberturas para novas galerias e corredores, “ad infinitum”. O sonho não era um pesadelo, mas me dava, após a excitação inicial de estar descobrindo um mundo desconhecido e misterioso, a angústia de saber que nunca poderia percorrer todos aqueles caminhos.
Meu pai tinha a coleção encadernada, em oito volumes, do Rocambole de Ponson du Terrail (a mesma que hoje, só que em brochura, tenho em minha estante), As folhas de guarda da encadernação eram num papel de cor marrom escura com miríades de pequenas manchas brancas. Eu ficava sentado, com o livro (que naquela época era enorme) no colo. Imaginava estar num desses subterrâneos, e que cada manchinha branca daquelas era a abertura para uma caverna vizinha. E mais uma vez experimentava uma tontura, uma vertigem diante de tantos caminhos abertos e da impossibilidade de explorar todos eles.
Imagens desse tipo se fixam na mente de muitos indivíduos, e aqueles que se tornam escritores acabam procurando reproduzir de uma maneira ou de outra essas pequenas vertigens conceituais que nos fazem experimentar, na infância, o prazer e o terror de estar-no-mundo. Jorge Luís Borges afirma reiteradamente em seus escritos a influência que teve, sobre ele, o famoso paradoxo de Zenão, em que Aquiles por mais que corra nunca consegue alcançar a tartaruga, ou a demonstração de que o movimento é impossível porque antes de atingir qualquer ponto devemos atingir primeiro um outro, e assim por diante, “ad infinitum”. Vem daí a incondicional admiração de Borges por Kafka, cujas obras ele talvez tenha sido o primeiro a traduzir na Argentina. Kafka narrava parábolas nítidas e tinha como um dos seus temas preferidos a impossiblidade de se fazer qualquer coisa, pela mera multiplicação de obstáculos.
No meu caso, ocorre justo o contrário. Creio que podemos fazer o que quisermos, nada nos impede, e a única frustração humana é o fato de não podermos estar em um milhão de lugares ao mesmo tempo, de não podermos optar por um milhão de galerias simultaneamente. Sou o anti-Kafka, porque para mim tudo é possível e realizável, mas minha angústia é maior do que a de Kafka porque cada vez que me vejo nas cavernas subterrâneas rodeado por mil passagens sei que ao optar por qualquer uma delas estarei sacrificando 999.
A ficção científica veio ao meu socorro ao fantasiar (com o distante aval da Física Quântica) que na verdade existem universos paralelos onde continuam existindo todas as possibilidades que não escolhemos, e nesses universos existem cópias idênticas de cada um de nós trilhando os caminhos que escolhemos não trilhar neste Universo aqui. As possibilidades, como sempre, são infinitas.
Meu pai tinha a coleção encadernada, em oito volumes, do Rocambole de Ponson du Terrail (a mesma que hoje, só que em brochura, tenho em minha estante), As folhas de guarda da encadernação eram num papel de cor marrom escura com miríades de pequenas manchas brancas. Eu ficava sentado, com o livro (que naquela época era enorme) no colo. Imaginava estar num desses subterrâneos, e que cada manchinha branca daquelas era a abertura para uma caverna vizinha. E mais uma vez experimentava uma tontura, uma vertigem diante de tantos caminhos abertos e da impossibilidade de explorar todos eles.
Imagens desse tipo se fixam na mente de muitos indivíduos, e aqueles que se tornam escritores acabam procurando reproduzir de uma maneira ou de outra essas pequenas vertigens conceituais que nos fazem experimentar, na infância, o prazer e o terror de estar-no-mundo. Jorge Luís Borges afirma reiteradamente em seus escritos a influência que teve, sobre ele, o famoso paradoxo de Zenão, em que Aquiles por mais que corra nunca consegue alcançar a tartaruga, ou a demonstração de que o movimento é impossível porque antes de atingir qualquer ponto devemos atingir primeiro um outro, e assim por diante, “ad infinitum”. Vem daí a incondicional admiração de Borges por Kafka, cujas obras ele talvez tenha sido o primeiro a traduzir na Argentina. Kafka narrava parábolas nítidas e tinha como um dos seus temas preferidos a impossiblidade de se fazer qualquer coisa, pela mera multiplicação de obstáculos.
No meu caso, ocorre justo o contrário. Creio que podemos fazer o que quisermos, nada nos impede, e a única frustração humana é o fato de não podermos estar em um milhão de lugares ao mesmo tempo, de não podermos optar por um milhão de galerias simultaneamente. Sou o anti-Kafka, porque para mim tudo é possível e realizável, mas minha angústia é maior do que a de Kafka porque cada vez que me vejo nas cavernas subterrâneas rodeado por mil passagens sei que ao optar por qualquer uma delas estarei sacrificando 999.
A ficção científica veio ao meu socorro ao fantasiar (com o distante aval da Física Quântica) que na verdade existem universos paralelos onde continuam existindo todas as possibilidades que não escolhemos, e nesses universos existem cópias idênticas de cada um de nós trilhando os caminhos que escolhemos não trilhar neste Universo aqui. As possibilidades, como sempre, são infinitas.