domingo, 21 de fevereiro de 2010

1683) Os movimentos literários (3.8.2008)



Os movimentos literários podem surgir de várias maneiras. Existem os movimentos programáticos, produto de um grupo de pessoas que vivem em estreita convivência, geralmente têm um líder, colaboram intensamente uns com os outros, e atuam na imprensa através de manifestos, declarações públicas, editoriais (quando publicam revistas), etc. E existem movimentos totalmente diversos: são reconstituídos anos depois por historiadores e críticos, que descobrem, “a posteriori”, traços em comum nas obras de autores que na melhor das hipóteses só se conheciam indiretamente, mas não tinham nenhuma atividade coordenada, coletiva.

Talvez caiba uma distinção entre “escola” e “movimento”. Uma escola seria uma forma coletiva de fazer literatura, praticada à distância por autores que se relacionam de maneira indireta. Aprendem uns com os outros, mas as suas descobertas se dão através de uma rede de influências recíprocas, sem haver uma militância propriamente dita. Certas formas de narrar ou de escrever ganham evidências, e novos autores passam a adotá-las por que se identificam com elas, ou pela admiração que sentem pelos autores que as praticam, ou porque acham que participar daquela “nova onda” ajudará a torná-los conhecidos. Os motivos são vários, mas uma escola é basicamente um conjunto de influências indiretas, e de natureza majoritariamente literária. Seria o caso do Realismo, do Romantismo, etc.

Já um “movimento” pressupõe algo mais ativo, mais dinâmico, mais interligado. Autores que fazem parte de um movimento entram em contato direto, tornam-se amigos, freqüentam a casa uns dos outros ou freqüentam os mesmos ambientes (bares, restaurantes, clubes, festas, academias, etc.). Essa mistura entre o literário e o pessoal exige deles um envolvimento maior, e eles passam a ter uma ação que só pode ser descrita como política. Entram de maneira organizada e consciente na política literária: deflagram polêmicas através da imprensa, pressionam editores a publicar suas obras, defendem-se dos ataques dos críticos, redigem e publicam manifestos coletivos, e, principalmente, fazem tudo isto sob a égide de um nome: o Surrealismo, o Nouveau Roman, a Poesia Concreta, o Modernismo, a Ficção Científica...

O corolário disto é que movimentos podem ser criados artificialmente, escolas não. Um editor interessado na produção de certo tipo de literatura pode investir pesadamente em uma dúzia de autores, inclusive fornecendo-lhes (ou incentivando-os a criar por conta própria) um rótulo, um manifesto, uma plataforma estética e ideológica... A criação da ficção científica nos anos 1920-1940 teve algo deste espírito, mas, curiosamente, o que movia esses editores (Hugo Gernsback, John W. Campbell, Horace L. Gold) era menos o interesse comercial do que o sonho futurista de influenciar a mentalidade de uma população. Esses editores, Campbell principalmente, acreditavam no vôo espacial, por exemplo, e usaram os jovens autores que os cercavam (Asimov, Heinlein, etc.) como os profetas de um movimento que ainda hoje não se esgotou.

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