Atribui-se a Einstein uma frase (não lembro o teor exato, mas o sentido é este) dizendo que acreditar na existência de Deus não significa negar a do Universo. E Jorge Luís Borges dizia espantar-se com a importância exagerada que a maioria das religiões atribuía aos nossos parcos anos sobre a Terra, porque cabia a eles determinar se passaríamos a Eternidade no paraíso ou no inferno. Em todos os sistemas de Fé parece haver uma tensão constante, com re-aproximações e re-afastamentos, entre o conceito de Deus e o do Mundo, como se este fosse imperfeito demais para ter sido criado por aquele, ou como se a existência daquele nos desobrigasse de explicar o que acontece neste.
O cientista, o cara que não acredita em Deus, fica muitas vezes preso a um racionalismo minucioso, microscópico, e perde a visão de conjunto. É como um sujeito que diante de um texto escrito se detivesse diante da primeira letra, um B, e começasse a pensar: “O que significa esta letra? Como chegou aqui? Quem a colocou? Com que intenção?” Ele passa a vida inteira nessa letra, depois dedica-se à segunda, depois à terceira, e nunca lhe ocorre soletrar a palavra.
Conan Doyle tem um conto divertido, “A esposa de um fisiologista”, sobre um desses cientistas empedernidos, materialistas até a medula, o dr. Ainslie Grey. Há uma cena em que ele está tomando o café da manhã com sua irmã Ada, uma moça religiosa. E eles têm este breve diálogo: “—Você não tem fé, disse ela. – Tenho fé nas grandes forças evolutivas que estão conduzindo a espécie humana a uma determinada meta, desconhecida, porém elevada. – Você não acredita em coisa alguma. – Ao contrário, minha querida Ada: acredito na diferenciação do protoplasma”.
Reli este conto agora, e lembrei que, tendo-o lido pela primeira vez por volta dos dez anos de idade, ele deve ter sido uma influência decisiva na minha opção precoce pelo agnosticismo. Quando alguém me perguntava se eu acreditava em Deus, eu dizia que sim, porque não era idiota, mas pensava comigo mesmo: “Acredito na diferenciação do protoplasma”. Não me perguntem o que é isto. Ainda hoje não sei.
Ou melhor: vou arriscar, sem consultar livro algum. Imagino que protoplasma seja uma espécie de substância biológica primordial, mas uma substância uniforme, estática. No momento em que houve algum tipo de diferenciação (a diferenciação dos sexos, por exemplo) isto desencadeou uma série de processos evolutivos que levaram ao surgimento dos protozoários, amebas, peixes, mamíferos, primatas e finalmente humanos. Parece absurdo? Leiam Augusto dos Anjos.
Para alguns, é mais fácil acreditar na existência do átomo (que nunca vimos e jamais veremos) do que na de Deus, e vice-versa. Tudo depende das razões emocionais que nos levam a aceitar esta explicação, e não aquela. Mas para alguns basta contemplar o Universo para acreditar em Deus, e basta ver um casal de mãos dadas para agradecer aos céus pela diferenciação do protoplasma.