Guimarães Rosa foi enterrado de óculos, porque era míope. Sua descoberta visual do mundo está narrada nas aventuras do menino míope Miguilim, em Corpo de Baile.
Era o filho mais velho de sete irmãos. Uma vez, na infância, encheu de água uma banheira, deitou-se nela, e pediu a dois irmãos menores que sentassem em cima dele. Queria ver quanto tempo agüentava sem respirar. O pai apareceu e interrompeu o experimento científico.
Nos tempos de estudante “liso”, costumava rifar os livros que acabava de ler, vendendo bilhetes aos colegas para comprar mais livros.
Escreveu contos fantásticos nos anos 1930 para O Cruzeiro, somente para embolsar uma grana, sem saber que estava fazendo o que nos EUA da época se chamava de “pulp fiction”.
Era tímido, mas cheio de expedientes. Quando começou a namorar Lygia (Lili), sua primeira esposa, costumava passar na porta do colégio dela, na hora da saída, dar de cara com ela e exclamar: “Mas que coincidência!” Em breve as amigas dela já apontavam: “Lili, lá vem Coincidência”.
Era expansivo, imensamente carinhoso. As filhas (Vilma e Agnes) o chamavam João Papai Beleza; as netas de Vovô Beleza. Adorava falar em público. Uma vez, nas bodas de ouro dos pais, festa animadíssima, pediram-lhe para fazer um discurso. Ele foi se entusiasmando e começou a lembrar os “ausentes”; daí a pouco todo mundo estava chorando.
Era supersticioso. Se por distração passava por baixo de uma escada, voltava atrás, explicando: “Tem que despassar!” Quando presenteou seu amigo Geraldo França de Lima com uma faca de caça, teve que recitar três vezes: “Que esta faca não corte nossa amizade”.
A família inteira tinha um viés para o sobrenatural. Sua mãe e seu irmão José Luís narravam episódios de visagens e aparições. Morando no Rio, Rosa chegou a freqüentar um centro espírita na Rua Voluntários da Pátria.
Morria de medo de tomar posse na Academia Brasileira de Letras. Por superstição, e por consciência: tinha tido uma isquemia, o coração estava muito mal, achava que não suportaria a emoção: “Eu sou médico, e sei exatamente como estou”.
Dizia que só tinha se candidatado para honrar sua terra natal (Cordisburgo) e porque os pais só o considerariam um escritor de verdade se entrasse para a Academia.
Na noite da posse, Geraldo França de Lima foi buscá-lo e o encontrou de pijama: “Não vou mais”. Insistiram, ele vestiu-se em silêncio, irritado. Ao sair, pousou a mão na porta e disse: “Vou, mas não volto”.
Era uma noite chuvosa. Ele só desceu do carro porque na mesma hora chegaram Juscelino e D. Sara Kubitschek, que vinham para a cerimônia, e o levaram para dentro.
Rosa entregou a Geraldo um vidro de coramina e disse: “Se durante o discurso eu fizer ‘assim’ com a mão é porque estou tendo um enfarte”. No fim, cumprimentado por todos, exclamava: “Eu não vou morrer, não vou morrer nunca mais. Sou o maior orador do mundo!”
Três dias depois, encantou-se para sempre.