domingo, 13 de abril de 2008

0371) A conexão Cariri-Manchester (28.5.2004)




(Paul e Jim McCartney, escutando Luiz Gonzaga)

Falei há alguns dias da curiosa conexão comercial através da qual o algodão do Cariri paraibano era transportado para Campina Grande, ensacado, conduzido para o porto de Recife, levado de navio para o porto de Liverpool, de onde seguia para as imensas indústrias têxteis de Manchester, um dos maiores centros produtores de tecidos no mundo. 

Esse fluxo já vinha desde o século 19, mas alcançou seu auge nas décadas de 1930-1940, quando Campina Grande viveu o seu grande momento econômico. Era um tal de construções art-nouveau, era um tal de Cabaré Eldorado com champanhe francês e prostitutas polacas... 

Eu ainda penso que é tudo mentira dos coroas do Calçadão, mas enfim – nem toda a História é escrita pelos vencedores. Os imaginativos de vez em quando redigem um capítulo.

Foi justamente esta fase, por volta da II Guerra Mundial, que chamou a minha atenção. Ora, navios cargueiros que fazem um tráfego dessa natureza não levam apenas um tipo de mercadoria. A existência de uma rota marítima fixa é um poderoso incentivo à circulação de produtos secundários, que pegam carona no comércio principal. 

Não é impossível que (esta é uma das frases preferidas dos historiadores sérios!) uma cuidadosa pesquisa indicasse a presença de numerosos bens culturais (quem sabe discos de 78 rotações, partituras e instrumentos musicais) cruzando o Atlântico rumo à Inglaterra.

Rumo, mais especificamente, a Liverpool, onde um vendedor de algodão chamado Jim McCartney, funcionário da Liverpool Cotton Exchange, dedicava-se nas horas vagas a tocar cançonetas ao piano, lembrando os tempos de solteiro em que tinha uma banda de “ragtime” com o nome de The Masked Melody Makers. Apreciador de diferentes estilos musicais, Jim transferiu esse amor pela música aos seus filhos, especialmente Paul, nascido em 1942.

Também não é impossível que ao longo da infância de Paul McCartney tenham-lhe chegado às mãos, via navios cargueiros do algodão do Cariri, os discos nordestinos que mais faziam sucesso na época, ou seja, os de Luiz Gonzaga, a partir de “Baião” (1946). 

Talvez ainda não seja tarde demais para rastrear e exumar as tortuosas trilhas que fizeram o jovem liverpudliano (e seus companheiros) sentarem durante horas enquanto o velho Jim tocava para eles aqueles discos estranhos, de imensa variedade melódica, e com o uso insistente de uma sétima-menor que lembrava, aos seus ouvidos já roqueiros, a nota dissonante do blues.

Estarei delirando? Nem tanto. A História é um imenso sambaqui de peças de quebra-cabeças enterradas há milhares de anos. Só acha quem procura, meus companheiros. E só procura quem imagina o que é capaz de achar. 

O rock britânico sempre me pareceu devedor do forró nordestino, desde o “Mersey Sound” dos Beatles até fenômenos mais recentes. Já repararam como a voz anasalada de Morissey, dos antigos “Smiths”, parece com a de João Gonçalves cantando “Pescaria em Boqueirão”?